Um estudo sobre regressão de memória – parte 2
AS CARACTERÍSTICAS DOS CONTEÚDOS NA REGRESSÃO
Durante a experiência da regressão o cliente vai acessando as informações que estão associadas a determinados quadros mnemônicos, seja de conteúdos produtivos e saudáveis, seja de experiências de dor e sofrimento, que foi internalizado em determinada etapa da sua vida e, muitas vezes, acumulado numa sequência de vivências que foram aumentando a força emocional e perceptiva daquela memória.
Quando o foco do cliente acessa tais conteúdos, os mesmos podem se apresentar de duas formas distintas:
- Informações ambientais
- Informações metafóricas.
O acesso às informações ambientais se faz, quando o paciente acessa os conteúdos presentes na memória, com certa fidelidade em como os eventos aconteceram em determinada, ou em várias fases de sua vida.
Por mais que em qualquer experiência que vivenciamos, sempre existe uma decodificação interna, que permite que os eventos não entrem diretamente em nosso sistema, mas sim sejam filtrados pela influência de nossas emoções, conhecimentos e perspectivas, nesse caso o cliente vivencia a regressão com a clareza com que na época ele sentiu e percebeu os eventos.
Podemos exemplificar essa situação quando, aplicando uma estratégia de regressão, o cliente relata o momento específico de sua vida, as pessoas estavam envolvidas, o começo, meio e fim daquela situação e como isso o afetou (positivamente ou negativamente) sua individualidade.
Fazendo o cliente viajar dentro desse revivificação ambiental, de forma dissociada ou associada (observando a situação ou acessando como se estivesse revivendo ela), com novos recursos que promovem um estado interno de segurança, mobilizamos para que alguns elementos sejam adicionados nessa lembrança, reformulando o quadro dessa memória, e permitindo que ela adquira impressões que areje ou transforme as experiências de dor que estão presentes.
Porém, e é aqui que precisamos ter uma acuidade para perceber essa característica do processo regressivo, as informações do passado podem ser acessadas numa configuração simbólica, que aqui estamos chamando de informações metafóricas.
Erickson identificou que o inconsciente produz associações simbólicas, sendo essa uma das características que define o funcionamento do mesmo. Sendo assim, as associações emocionais e as perspectivas que foram construídas, ao vivermos determinados momentos, podem ser acessados pelo nosso foco consciente, através de uma história que nosso sistema, utilizando do processo da fantasia espontânea, nos conta.
Nessa história, apesar do personagem principal e o ambiente serem outros (simbolizados), o enredo apresentará uma similaridade com as características de como foi nossa experiência na época (o tema da história estará conectado com as informações presentes em nossa memória).
Dessa forma, ao acessarmos essa informações do passado, através dessa característica da nossa mente inconsciente produzir simbolismos, estaremos viajando dentro as emoções e percepções que foram construídas e, dessa forma, tendo a oportunidade de compreender as necessidades e intervir nas mesmas.
Essa característica de simbolização dos conteúdos da memória, pode frustrar tanto terapeuta quanto cliente, que aguardam o acesso aos conteúdos do passado, de forma ambiental, desprezando quando tais “históricas contadas pelo inconsciente” emergem e , interpretando essas experiências “como fantasias sem valor terapêutico”.
Um dos pilares da clínica ericksoniana é o aspecto que chamamos de reconhecimento, e nele, o terapeuta é estimulado a auxiliar seu cliente na exploração das informações que em estado de transe emergiram, visando construir consciência quanto a sua qualidade (que informação traz) e suas consequências ( como isso repercute na vida da pessoa).
Através de um fino trato de reconhecimento podemos explorar se tais histórias que emergiram ressoam no sistema do cliente, e verificar, se as informações que trazem, se relacionam com a problemática que faz parte dos objetivos clínicos a serem trabalhados.
O reconhecimento então permitirá verificar com o cliente, se a história que emergiu seria uma forma “fantasiada” do que ocorreu com ele no passado e, identificando essa familiaridade, transitar dentro do enredo da mesma, para através das sugestões indiretas compartilhadas, promover mudanças estruturais, que transformem as informações de dor que surgiram no enredo, tornando essa uma “história que encontra novos caminhos para a superação e o sucesso”.
Ao intervir de forma simbólica, dentro desses contextos também simbólicos, estaremos reestruturando as associações emocionais de sofrimento e confrontando crenças que limitam a experiência da pessoa, corrigindo a configuração implícita daquela memória.
Importante perceber que mesmo que o inconsciente promova o acesso a determinados conteúdos que já foram internalizados, de forma metafórica (através de uma história que apresenta personagens e um ambiente diferente) as informações profundas (emoções vividas e crenças construídas) que estarão presentes, possuem plena conexão com as necessidades a serem conscientizadas e trabalhadas, das experiências que ocorreram no passado.
EFEITOS CLÍNICOS
Durante nosso estudo tivemos a intenção de clarificar que a regressão é um processo natural do funcionamento interno dos seres humanos e que , como técnica, ela pode ser usada com o propósito de promover o acesso a determinadas memórias, visando utilizar os recursos presentes nas mesmas ou reorganizar suas informações de sofrimento.
Mas clinicamente, quando é interessante trabalhar o processo regressivo e qual os efeitos gerados à favor do cliente?
A estratégia da regressão é recomendada, quando acessar as informações do passado, contribuirá para os objetivos clínicos que foram delimitados no início do tratamento.
Então, imaginem o exemplo de alguém que surja no consultório com a demanda de “não sentir confiança em continuar seus relacionamentos” e, por causa disso, não conseguindo manter os seus vínculos amorosos.
Durante o processo de exploração dessa demanda, é identificado que existe uma informação implícita na base dessa tendência que diz “não tenho valor para ser amado”, e que existe uma estratégia de sobrevivência para essa dor, que o mobiliza de forma automática a “se desconectar das relações antes de ser abandonado”.
Dessa forma, temos uma informação interna, fruto de determinada (s) experiência (s) que organizaram esse foco de sofrimento e limitação, que vem atrapalhando sua área afetiva.
Digamos que no processo clínico, é identificado que essa informação desempoderante, surge de experiências na infância onde o seu cliente foi criticado por seus pais, por tudo de mais autentico e verdadeiro que ele fazia, construindo uma percepção de “não ter valor” e, interpretando as broncas e críticas dos seus cuidadores, como uma falta de amor” que fez ele construir a perspectiva de “não possuir valor para ser amado”.
Então temos configurado na intimidade uma programação do passado, que em determinados contextos (relações) irá, de forma mais ou menos intensa, contaminar com as emoções e percepções de dor que foram construídas ativando, seu mecanismo de sobrevivência a esse desconforto através da interrupção do vínculo afetivo, por medo de novamente se sentir sem valor e ser abandonado.
Temos aqui um caso clássico em que voltar para essas memórias, e adicionar informações que reestruturem as dores que ali ficaram congeladas, se torna uma experiência importante para que o cliente atinja seus objetivos clínicos, convidando-nos ao uso da estratégia de regressão.
Mas, um outro exemplo cairia bem, visando indicar a necessidade de acessar outro tipo de informações, para se atingir um outro tipo de efeito: fazer o cliente acessar experiências internas de empoderamento.
Digamos que você está começando a fazer aulas de teatro mas identifica, em certa altura do seu curso, uma certa falta de coragem em se soltar na cena, e imergir nos personagens com espontaneidade e criatividade na frente do público.
E que buscando apoio psicoterapêutico, durante a exploração clínica, identificamos a presença de memórias onde você participava de atividades de atletismo e, com naturalidade e intensidade, fazia o que era preciso, mesmo na presença de um público numeroso.
Estamos diante de um caso onde a informação presente na memória, apresentam conteúdos que sejam importantes (coragem), para serem usadas em novas situações que estão sendo vividas (teatro).
Assim podemos criar as condições para, em estado de transe, fazer o cliente acessar tais eventos do passado (memórias de atletismo) para conectá-lo na emoção de coragem que está presente, criando todo um caminho interno para ele aplicar o mesmo recurso na situação que o desempodera (teatro).
Os dois exemplos permitem não apenas perceber quando o uso da regressão é útil (acessar o passado para curar ou se fortalecer) mas também mostra o que ocorre durante o processo da técnica da regressão (e aqui já estamos respondendo a segunda pergunta sobre seus efeitos clínicos).
No primeiro exemplo, em que o acesso às memórias ocorrem com o objetivo de promover um processo de cura, a regressão ocorre com o objetivo de promover três grandes fatores:
- Compreensão das necessidades (que não foram cuidadas eou foram agredidas) do passado.
- Reorganização das informações presentes ( oferecendo as nutrições que promova cuidado e cura dessas necessidades)
- Reconhecimento dos efeitos que essa reorganização irá gerar na vida do cliente.
No segundo exemplo, em que o acesso às memórias ocorrem com o objetivo de se apoderar dos recursos que estão associados, visando aplicar os mesmos em outros contextos, o processo acontece através de quatro fatores:
- Compreensão dos recursos, que se estivessem presentes, fariam as coisas ficarem bem e verificação da presença desse recurso em informações do passado (por exemplo, coragem ao fazer atletismo)
- Compreensão das informações profundas, ou seja, o que ele fazia, pensava e como se sentia para conseguir acessar o recurso naquela época (o que ele fazia, ou deixava de fazer, para conseguir expressar coragem nas demonstrações de atletismo).
- Associação dessas informações, no novo contexto em que essa qualidade está sendo requisitada (encontrando os caminhos para ele aplicar a mesma estratégia que o auxiliava a ter coragem no atletismo, agora no curso de teatro, com as naturais adaptações).
- Verificação dos resultados, ou seja, dos efeitos que essa transição de recursos traz, para que a pessoa consiga atingir seus novos objetivos.
Importante considerar que essas reflexões (texto 1 e 2) sobre a estratégia de regressão tem como objetivo trazer informações mais completas para clarificar sobre o funcionamento dessa estratégia ericksoniana, seus objetivos, assim como seus efeitos.
Porém, o processo da regressão em si, exige treino qualificável para que o terapeuta aprenda a estimular e viajar com o cliente, sendo uma presença de segurança e recursos para o mesmo, assim como um processo que tem começo, meio e fim para ser executado com a qualidade que irá permitir que o cliente possa desfrutar de uma viagem para dentro de si, que o ajude a acessar mais de si mesmo, ampliando seus potenciais.
Tal cuidado em recomendar formação adequada e esclarecimentos de que o prática regressiva envolve toda uma preparação, construção das condições adequadas e acolhimento, compreensão e aplicação saudável dos resultados acontecem para que o cliente, acessando tais informações, não venha a se machucar novamente, através de um fenômeno conhecido como retraumatização.
A retraumatização é o fenômeno que ocorre na experiência clínica, onde o acesso às memórias cheias de informações de dor e sofrimento não ocorre com a segurança e os recursos devidos, criando uma repetição do quadro que gerou a ferida interna, e ampliando mais a carga de desempoderamento dessas lembranças.
A prática da regressão é uma das estratégias avançadas da hipnose ericksoniana que, por ocorrer respeitando as condições necessárias, velocidades e recursos que sejam importantes ao cliente, se torna uma estratégia poderosa de cura e acesso a excelentes recursos, visando promover o desenvolvimento pessoal.
Confira a parte 2, clicando aqui.